Fotos: Vinicius Becker
Uma doença considerada silenciosa tem chamado a atenção do Ministério da Saúde e demais órgãos de saúde: a trombose. Segundo o Ministério da Saúde, foram registrados mais de 75 mil casos dessa condição em 2024 e, apenas nos primeiros seis meses de 2025, já foram contabilizados mais de 36 mil novos diagnósticos. Ou seja, cerca de 200 por dia.
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No Rio Grande do Sul, o número de internações e óbitos nos dois períodos são alarmantes. Em 2024, o Estado apresentou um total de 2.869 internações hospitalares e 114 óbitos em decorrência de casos de Trombose Venosa Profunda (TVP), flebite e tromboflebite, Trombose de veia porta e outra embolia. Em apenas seis meses de 2025, foram 1.522 hospitalizações.
Dos tipos citados acima, o de maior incidência é a Trombose Venosa Profunda, que é uma condição aguda potencialmente grave e que exige diagnóstico rápido e início imediato do tratamento, principalmente para evitar complicações como a embolia pulmonar, que pode ser fatal.
Ao analisar os dados de 2025, a SES reforça que “as internações por TVP ocorreram predominantemente em pessoas com idade entre 60 e 69 anos (340 internações) e do sexo feminino (55,85% do total de internações). Pessoas brancas apresentam o maior número de internações (1.318), porém, quando corrigidos pelo número de internações para 100.000 habitantes, temos uma taxa de internação de 32,42 para pessoas de pele amarela e 16,71 para as de pele preta”.
Em Santa Maria, a Secretaria Municipal da Saúde registrou 130 casos desse tipo de condição foram registrados em 2024. E até o primeiro semestre de 2025, 62 quadros haviam sido informados.

Para entender esse cenário e alertar a população sobre os riscos, o Diário entrevistou o médico angiologista e cirurgião vascular, Anderson Kahlbeck, da Clínica Geneva (foto acima). Confira abaixo:
Diário – O que é a trombose?
Kahlbeck– A trombose é quando o sangue, que deveria circular livremente pelos vasos na forma líquida, acaba formando um coágulo, podendo ser dentro de uma veia ou de uma artéria. Esse coágulo bloqueia a passagem normal do sangue e pode complicar alguma parte do corpo, causando dor, inchaço, ou até se soltar e parar em outro lugar, como o pulmão, no caso de uma trombose venosa. É um problema mais frequente do que se imagina, especialmente nas pernas. E o mais importante: tem tratamento. O essencial é identificar cedo e cuidar direitinho.
D – O que diferem as tromboses aguda e crônica?
K – A trombose aguda é aquela que acabou de acontecer. O coágulo se formou recentemente e o sangue parou de circular naquele ponto. Se for venosa, pode causar inchaço, dor e sensação de peso. Se for arterial, pode causar muita dor e falta de circulação — a área afetada pode ficar fria, pálida, sem pulso. É uma situação que precisa ser avaliada e tratada rapidamente para evitar complicações mais graves. Já a crônica é uma trombose que já tem algum tempo, e o corpo já tentou se recuperar daquela fase aguda. Mesmo que o coágulo antigo já não esteja mais ativo, ele pode deixar sequelas. Se for nas veias, pode causar endurecimento, inchaço e varizes. E se for na parte arterial, pode causar dor e dificuldade para caminhar, fraqueza e frialdade nas pernas.
D – Quais são os fatores de risco para o desenvolvimento da trombose?
K – A trombose geralmente aparece quando o sangue fica mais parado ou mais grosso do que o normal, ou quando há alguma lesão na parede do vaso. Pode também acontecer quando o paciente tem alguma questão genética que facilite a formação de coágulos. Então, tudo que favorece isso pode aumentar o risco de trombose. Ficar muito tempo parado como em viagens longas, internações, períodos de repouso ou cirurgias grandes é uma das principais causas. A desidratação, ou seja, a falta de tomar água, pode deixar o sangue mais grosso e facilitar a trombose. Questões hormonais, como o uso de anticoncepcional e a gestação, também entram nessa lista, assim como varizes, obesidade, tabagismo e alguns tipos de câncer, que podem alterar os fatores de coagulação. Há ainda a questão genética: pessoas que já tiveram casos de trombose na família precisam ficar mais atentas e ser avaliadas.
D – É comum serem registrados mais casos de trombose em homens ou mulheres? Por quê?
K – A trombose pode acontecer tanto em homens quanto em mulheres. Mas, na prática de consultório, acabamos vendo mais casos em mulheres. Provavelmente, isso ocorre principalmente por causa dos fatores hormonais, como o uso de anticoncepcional, e também por haver mais casos de varizes, que contribuem para esse aumento. Existe ainda uma condição anatômica e genética chamada síndrome de May-Thurner, uma compressão venosa que é muito comum em mulheres. Ela pode causar varizes pélvicas, dor menstrual e varizes na perna esquerda, além de aumentar o risco de trombose nessa perna. Nos homens, o risco costuma aparecer mais relacionado a fatores como sedentarismo, obesidade, tabagismo e também depois de cirurgias principalmente as ortopédicas, longos períodos de imobilização ou viagens longas. Então, depende muito da fase da vida, dos hábitos e de outros fatores individuais.
D – Quais são os sintomas e sinais mais comuns da trombose?
Na trombose venosa, que é a mais frequente – principalmente em pessoas mais jovens –, se apresenta com dor, inchaço e sensação de peso na perna, que não melhora ao elevar o membro e tende a ir progredindo. Às vezes a perna pode ficar mais quente, mais avermelhada ou endurecida, “empastada”. Nem sempre os sinais aparecem de forma intensa: tem casos em que o paciente só sente um desconforto diferente ou nota uma diferença entre uma perna e outra, e essa diferença não melhora, vai piorando – isso já acende o alerta. Já a trombose arterial é outro contexto: geralmente em pacientes mais idosos, com sinais mais agudos e intensos. A área pode ficar fria, pálida, sem pulsação, sem perfusão, e causa muita dor e muito desconforto. Então, qualquer alteração súbita na perna – dor, inchaço, mudança de cor, calor ou frio – merece ser avaliada por um cirurgião vascular o quanto antes.
D – Quais são as principais complicações da trombose?
K – Em relação à trombose venosa, a complicação mais preocupante é quando o coágulo se solta e vai para o pulmão — o que chamamos de embolia pulmonar. Ela pode causar falta de ar, dor no peito, palpitação e, em situações mais graves, trazer risco de vida. Mesmo quando isso não acontece, a trombose pode deixar sequelas na circulação da perna afetada, porque o sangue passa a circular com mais dificuldade. A veia pode ficar danificada, e a perna pode inchar, causar mais varizes, sensação de peso e dor. Com o tempo, o paciente pode desenvolver o que chamamos de síndrome pós-trombótica, que é uma condição crônica com sensação de peso, manchas nas pernas e, em casos mais avançados, até feridas (úlceras), que costumam ser difíceis de tratar. Já na trombose arterial, como há falta de circulação, pode ocorrer isquemia – ou seja, falta de sangue e oxigênio naquele membro –, levando à necrose de tecido e, em casos mais graves, até à amputação da área acometida.
D – Quais são os principais tipos de trombose e de que formas eles afetam o cotidiano do paciente?
K – A trombose venosa é a mais comum. Pode acometer tanto pessoas mais jovens quanto idosos, principalmente em situações de imobilização, cirurgia recente, uso de anticoncepcional, presença de varizes ou em casos de viagens longas. Pela formação do coágulo dentro da veia — e como toda a circulação venosa passa pelo coração e vai para o pulmão —, um trombo que se desloca pode ir parar no pulmão, causando uma embolia pulmonar, que pode ser grave e até fatal, dependendo da extensão. Mesmo depois de tratada, a trombose pode deixar sequelas, principalmente quando o tratamento é iniciado mais tardiamente. Quando tratada de forma precoce, costuma ter bons resultados, mas nos casos mais avançados pode deixar inchaço, manchas, sensação de peso nas pernas, surgimento de varizes e piora da circulação em geral — o que afeta a rotina e a qualidade de vida, e pode até favorecer novas tromboses. Já a trombose arterial é mais comum em uma faixa etária mais alta, em pacientes diabéticos, tabagistas ou com outras comorbidades. Ela costuma ser mais grave, porque o sangue arterial é o que leva oxigênio e nutrientes para os tecidos. Quando há uma obstrução, o sangue não chega até aquela parte do corpo, e isso causa muita dor, deixando a região fria e pálida. É como se fosse um “infarto” daquele local. Essa falta de circulação leva à isquemia e, se não for tratada imediatamente, pode causar perda de tecido. A trombose arterial aguda é uma urgência que precisa ser atendida rapidamente, para tentar restabelecer a circulação e evitar a piora do quadro.
D – A trombose também pode acometer outras partes do corpo. Esses casos são considerados raros?
K – Não. A trombose é o coágulo de sangue que obstrui aquela circulação. Então, onde tem sangue — onde existe circulação venosa ou arterial — pode acontecer trombose: no cérebro, pulmão, órgãos, braços, pernas, intestino, hemorróidas… Em qualquer lugar onde haja veias, pode haver trombose. Não são casos raros. O mais frequente é a trombose nos membros inferiores, nas pernas, mas ela também pode aparecer em outros locais menos comuns. É mais comum acontecer nos braços, em pacientes que usam catéteres venosos ou fazem esforço físico repetitivo. Pode acontecer também na região abdominal, em pessoas que fizeram cirurgias abdominais, têm doenças inflamatórias ou aneurismas – situações que alteram a circulação e acabam levando à obstrução venosa. Apesar de serem menos lembradas, essas tromboses acontecem e precisam ser avaliadas e tratadas com a mesma atenção.
D – Por que a trombose é descrita como uma condição silenciosa?
K – Eu não considero a trombose uma condição tão silenciosa assim. Ela pode até passar despercebida ou ser confundida com outras coisas, porque o paciente sente dor, desconforto, a perna vai endurecendo, pesando, e aquela dor não passa. A pessoa acaba achando que é algo muscular, que vai melhorar com o tempo — mas não melhora. Em questão de poucos dias, às vezes semanas, o incômodo persiste e o paciente procura atendimento por conta disso. Então, ela pode até evoluir um pouco lentamente, mas costuma causar desconforto. E se não for tratada, pode gerar complicações mais sérias, como uma embolia pulmonar.
D – Quais são as etapas e os métodos utilizados pelo profissional para identificar um caso de trombose?
K – A avaliação já começa com a história do paciente e com a observação clínica — a forma como ele caminha, as expressões de dor, de desconforto — e, claro, com o exame físico. É importante entender quando começaram os sintomas, se houve algum fator de risco que possa justificar o quadro e observar o aspecto da perna. A confirmação é feita geralmente com um exame de imagem, o ultrassom com doppler venoso. Ele pode ser feito em clínicas ou até no consultório mesmo, e mostra se existe um coágulo dentro da veia, se o sangue está circulando bem ou se há alguma obstrução. É um exame rápido, indolor e que, na maioria das vezes, já dá o diagnóstico na hora. A partir daí, o médico avalia a extensão e o tamanho do problema e define o melhor tipo de tratamento para cada caso. Em algumas situações, pode ser necessária também uma angiotomografia, que é um exame muito preciso, mas um pouco mais invasivo.
D – Quais são os tratamentos disponíveis atualmente para tratar casos de trombose?
K – O tratamento da trombose depende muito do tipo, da localização e da gravidade do caso. Temos hoje um rol de opções terapêuticas muito grande que pode ser usado pra resolver as tromboses. Na maioria das vezes, o tratamento é feito com medicação anticoagulante, que é o remédio que “afina” o sangue pra evitar que o coágulo cresça, ajudando a dissolver e reduzindo o risco de novas tromboses. Hoje existem várias opções de anticoagulantes em comprimidos de uso oral, o que facilita bastante o tratamento e, muitas vezes, nem é preciso internação. Em casos mais graves, ou quando o coágulo é muito extenso, pode ser necessário tratamento hospitalar, com medicação na veia, e também há a possibilidade de procedimentos endovasculares, feitos por cateterismo. Com o uso de catéteres, conseguimos tratar de forma direta, dissolver os trombos, aspirar e retirar esses coágulos, melhorando a circulação muitas vezes de forma quase instantânea. Nos últimos anos, surgiram vários materiais e tecnologias novas nessa área, que permitem aspirar, diluir e desobstruir os vasos com muito mais segurança, reduzindo o risco de sequelas e melhorando bastante a recuperação.
D – Quais são os grupos considerados de risco para o desenvolvimento de trombose? Por quê?
K – Os grupos de maior risco são aqueles que têm fatores que favorecem a estagnação do sangue ou alteram a coagulação. Entre eles, estão pessoas que passaram por cirurgias recentes, principalmente ortopédicas ou abdominais; pacientes acamados ou com imobilização de membros; quem já teve trombose antes; portadores de câncer ativo; e quem apresenta inchaço, dor ou varizes importantes nas pernas – esses são pontos avaliados nos critérios de Wells. Também têm risco aumentado as gestantes, mulheres no pós-parto, usuárias de anticoncepcional hormonal, pacientes obesos, fumantes, idosos e pessoas com tendência genética ou histórico familiar de trombose. Esses fatores, somados, aumentam bastante a probabilidade de desenvolver o problema, e por isso merecem atenção especial e acompanhamento vascular.
D – Para encerrar o bate-papo, de que formas se pode prevenir o desenvolvimento de trombose?
K – A prevenção da trombose passa por evitar os fatores que fazem o sangue “parar” ou engrossar demais. O principal é manter o corpo em movimento – levantar, caminhar, alongar as pernas, principalmente em viagens longas ou períodos de trabalho sentado. Hidratação também é fundamental: beber água com frequência ajuda a manter o sangue mais fluido. Evitar o tabagismo, controlar o peso, e avaliar o uso de anticoncepcionais hormonais com o médico são atitudes que reduzem bastante o risco. Quem tem varizes, histórico de trombose, gestação, ou vai passar por cirurgia ou imobilização, deve conversar com o cirurgião vascular para avaliar medidas preventivas específicas – como o uso de meias de compressão, medicações em casos selecionados e cuidados durante a recuperação. E o mais importante: reconhecer os sinais precoces e procurar atendimento logo que apareçam dor, inchaço ou sensação de peso persistente nas pernas.
Dados sobre trombose no RS e em Santa Maria
Ranking de internações
Segundo a SES, cinco municípios gaúchos registraram altos índices de internações por trombose. São eles:
- Porto Alegre – 255 internações
- Caxias do Sul – 68 internações
- Canoas – 46 internações
- Parobé – 39 internações
- Passo Fundo – 38 internações
Dados atualizados até 30 de junho de 2025
Santa Maria
Casos
- 2024 – 130 casos
- 2025 – 62
Internações
- 2024 – 56 hospitalizações por trombose
- 2025 – 31
Dados atualizados até 30 de junho de 2025
Fontes: Secretaria Estadual da Saúde e Secretaria da Saúde de Santa Maria